Há terras que contam histórias. Histórias que se escondem nas paisagens, nas casas, nas quintas, jardins, castelos; em nós. Principalmente em nós, seres humanos. Vivemos das histórias que nos contam em criança; das que vivemos em criança e em adulto. Algumas são lendas ou mitos, outras, são, alguém que garante, experiências passadas, memórias antigas de outros, ou nossas, que acabam por se tornar também elas em mitos. Podemos acreditar ou tomá-las como absurdas, é a dualidade delas. 

Há aquelas que nos fascinam, que nos encantam, que nos deixam estupefactos e ansiosos por partilhá-las com alguém; há também as outras, as que nos deixam sonolentos com uma modorra somente curável com uma noite bem dormida, estas também elas serão contadas a outros, só para darmos a entender o quão aborrecidas elas são. No entanto, independentemente de que emoção nos transmitem elas ficam gravadas na nossa mente e ajudam-nos a entender melhor o mundo em que vivemos. 

Continuando na nossa expedição Rota do Guadiana (primeira parte aqui), a primeira vista que temos de Mértola e, se for a primeira vez aqui, haverá um pensamento a pairar no ar: que história conta esta vila entalhada num vale junto ao rio, rodeada de muralhas de aspecto realmente antigo e perdida no meio de nenhures? 

Vista solene sobre Mértola, o rio Guadiana serpenteia o vale onde está situada a vila de casas brancas dentro de muralhas
Mértola

É, obviamente, uma história, mas que não caberá nestes parágrafos, pela sua imensidão no tempo e porque conhecer a sua história presencialmente através dos seus museus escondidos dentro das muralhas é bem mais enobrecedor.  

A “vila-museu”, nome por que também é conhecida, por ser uma espécie de museu ao ar livre, inebria-nos com as suas luzes laranjas que iluminam, durante a noite, as muralhas e as suas casas brancas. O Guadiana, em baixo, e, se a sorte nos beneficiar com um céu enluarado, reflecte esta imagem que por si só já conta uma história. Antes de nós, foram os Fenícios e Cartagineses que começaram a sua história, pelo que se sabe. Depois vieram os Romanos, os Suevos e os Visigodos para dar lugar aos Muçulmanos. Depois, é a história que sabemos que já nos pertence. 

Há cerca de 40 anos, onde hoje se caminha pelos passadiços ao ar livre da Alcáçova do Castelo de Mértola, caminhava-se por um arrabalde abandonado, onde as crianças, por entre as figueiras, corriam por cima de preciosas peças islâmicas e romanas sem saberem. Cláudio Torres, fundador do Museu de Mértola, investigador e arqueólogo, ao observá-las, enquanto saíam e entravam em túneis do chão, escondidos, percebeu a importância do local que pisavam. Os túneis dão até uma cisterna islâmica aproveitada de uma construção romana. E hoje, graças a este episódio, percebemos a importância que Mértola tem na história e que podemos percorrê-la no tempo através das suas estreitas ruas. 

A uns escassos minutos de Mértola descobrimos um tesouro, são os Canais do Guadiana. Tesouro esse que permanece escondido, ou assim pensamos nós. Uma espécie de praia fluvial, que servia de ponto piscatório, na arte de pesca artesanal, chamada o caneiro, e que consistia em armadilhas de canas e paus de loendro, junto à represa de água do moinho que aqui existiu e que ainda se encontram pequenos vislumbres desses tempos longínquos. A água convida-nos a mergulhar mas a viagem continua até as Minas de São Domingos. 

Praia Fluvial Minas São Domingos

Já os povos mencionados acima, que habitaram Mértola, tinham explorado o cobre, ouro e prata desta região conhecida pelas suas ruínas fotogénicas e da sua praia fluvial convidativa. Aqui passa-se uma tarde bem preenchida, rodeados por histórias antigas da vida dura de gerações e gerações de mineiros que por aqui passaram. 

Foi no Parque Natural do Vale do Guadiana que passamos estes dois dias, desde a visita a Mértola, às Minas de São Domingos, com uma pequena paragem em Pomarão, junto à fronteira com Espanha, e outra, também obrigatória, no Pulo do Lobo.  

No norte do Parque Natural do Vale do Guadiana encontramos as gargantas do Pulo do Lobo. Lugar isolado onde as águas, indomáveis e arrepiantes, vão gastando a pedra que faz de parede. A cascata de 16 metros quebra a serenidade do Guadiana que até ali corre devagar para depois cair numa violência só digna da Natureza. Aqui, avista-se a construção de passadiços, sinal de que mais gente se aventurará por estas gargantas que ganhou o nome de Pulo do Lobo por causa dum lobo, em caçada, as ter saltado de um só salto para continuar a sua perseguição.  

Seguimos para Serpa, onde passamos a noite, para repousar no descanso da vila, sabendo que o dia seguinte o Alqueva e as suas aldeias ribeirinhas nos esperam. A barragem veio trazer outra vida a esta região que já era de encantar.

Olha-se a paisagem alentejana e aqui e acolá avistam-se planícies, adornadas de colinas e de oliveiras, e questionamo-nos de que mais histórias estas paisagens serão feitas. Quem passou aqui, quem viveu ou quem ainda vive, quem se perde na aventura por estas terras; bem, são histórias que nunca viremos a conhecer e são as que nos deixam mais entorpecidos. Havendo a possibilidade de nunca vir a saber, só resta fazer a nossa história aqui e passá-la ao próximo. Vem connosco? 

Expedição – Rota do Guadiana Brevemente