Quem chega cedo percebe a relevância que a agricultura tem no Concelho de Serpa. São vinhas, olivais, searas e o famoso montado que dominam a paisagem e exprimem a vida de que levam as gentes que aqui vivem. 

A vida que se vive aqui é, provavelmente, a mesma de que viviam os antepassados alentejanos. Uma terra que é considerada pobre mas que, se bem aproveitada, o proveito que se tira é de encher as despensas de todos os portugueses e de, modéstia à parte, de grande parte do mundo. 

É nestes olivais que se produz do melhor, senão o melhor, azeite do mundo; são nestas vinhas, que aqui se plantam, que se produzem alguns dos melhores vinhos do mundo; e é do montado que a cortiça, que protege e educa o vinho, é extraída. Poderíamos concluir, então, tal sábio estoico, que estas terras são ricas no saber, no ser e no viver. 

Vive-se e respira-se um passado que foi entregue a estes habitantes que por sua vez partilharão às gerações futuras, preparadas para isso, este ofício na arte de bem ser alentejano. 

Chegados a Serpa, a meio da tarde, já só queremos explorar o interior das suas muralhas e provar dos tesouros que esta terra tem para oferecer. O queijo, o vinho e o azeite abrem-nos o apetite para o jantar no restaurante Molhó Bico, que para nossa sentença, o nome diz tudo. Ensopado de borrego a cheirar a hortelã e rojões de porco preto com migas de pão a cheirar a alho. Já ficaram com água na boca, certo? 

Depois do jantar, uma caminhada para bem fazer a digestão. As luzes das ruas pintam de laranja as casas caiadas. O silêncio da noite aqui também se faz ouvir. Sabemos que estamos nas ruas de Serpa pois estamos de olhos abertos, porém se os fechássemos, podíamos estar numa das vastas planícies que passámos durante a tarde. Ouvem-se os grilos e o vento. Se prestarmos atenção, ao aproximarmo-nos das casas, de janelas abertas, ouvimos os talheres a tamborilar nos pratos; vem-nos à memória as imagens e os cheiros da nossa refeição. A cidade entre muralhas está quieta e silenciosa e vê apenas esta meia dúzia de turistas que aqui passeiam. 

Depois de uma noite bem passada em Serpa seguimos para Mourão, já no coração do Alqueva. Antes passamos por Pias onde podemos conhecer os detalhes do processo de produção vinícola e a antiga destilaria na sede da Sociedade Agrícola local. Aqui, com sorte, e de ouvido apurado, podemos escutar o Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias” a ensaiar o cante. É na taberna onde os homens se juntam para, abraçados, cantar histórias da terra nas dores da suas vozes que nos encantam na sua fraternização. 

As águas do Alqueva já se avistam e o cante a ressoar nas nossas cabeças fazem a banda sonora desta paisagem. Dirigimo-nos para a nova aldeia da Luz. Pensar que por baixo destas águas se encontra uma aldeia gémea desta que vemos, é algo que nos transcende. As águas do Guadiana que, para serem guardadas, se teve que inundar uma aldeia, casas, vidas e histórias. Será a mesma coisa para estas pessoas? É uma resposta que teremos que encontrar nas histórias que o Museu da Luz nos conta. 

O sol já bate lá no alto e, no seu zénite, procuramos sombra e um lugar para almoçar. Mourão recebe-nos e alimenta-nos. E nem a brisa acalma o calor que se faz sentir nestas aldeias ribeirinhas. Perto da igreja de Mourão, as cigarras ensurdecem-nos com a sua cantoria. E nas suas muralhas conseguimos ver a imponente e pacífica Monsaraz. É para lá que seguimos. Para a melhor vista sobre um horizonte diferente daquele que encontraríamos há quase 20 anos, quando foram armazenadas as águas as do Alqueva. 

A terra é a mesma, mas a paisagem é outra. As águas do Guadiana que aqui ficaram presas trouxeram outra paisagem a uma região outrora seca. Antes eram as águas da chuva que quase alimentavam os campos agrícolas. Hoje a história é outra. Graças a estas águas o Alentejo internacionalizou-se, produzindo vinho, azeite, etc, para os quatro cantos do mundo e trazendo turistas para a nossa terra. 

O calor é quase insuportável. O almoço caiu-nos demasiado bem e leva-nos ainda mais para fundo numa moleza de encostar a cabeça. Abrimos os vidros do carro para deixar entrar as brisas. Mas elas são ainda mais quentes. Entram antes as cigarras que procuram refugiar-se no movimento do carro. 

No topo das muralhas de Monsaraz, a vista é indiscritível. Os antepassados que construíram, com as suas mãos, estes muros de pedra não acreditariam no vasto horizonte que hoje vemos. Colinas que emergem das águas e copas frondosas de árvores à tona da água; veêm-se, também, árvores nuas, parecendo dançar, mergulhadas na água. Não se mexendo, as águas cobriram-nas e se antes a água lhes fazia viver, aqui deixaram-se morrer.  

É uma paisagem única que nos transporta para outro tempo. Um tempo que não parece nosso. Um cenário de castelo e uma paisagem sem ordenamento urbano, onde a natureza e os campos de cultivo fazem o horizonte. Conseguimos ver, Mourão e outras pequenas vilas periféricas a Monsaraz e, no entanto, é na história antiga e na natureza que pertencemos.