Foi na tarde do dia 12 que ouvimos a notícia que pairava no acampamento, a morte da cabra. 

Estávamos à beira do lago Song-kul, onde passámos as últimas duas noites a dormir numa iurta, só com a natureza e a paisagem imensa que nos rodeia. 
 

Aqui, no acampamento do Sr. Baiysh, dono do “Yurt Camp Baiysh” com o slogan “18$ & hot sauna”, vimos ordenharem as éguas, provámos o seu surpreendente e delicioso leite, que é usado para tudo e mais alguma coisa na culinária quirguiz, passeámos a cavalo junto ao lago, conhecemos parte do staff, cuja principal função é cortar lenha para aquecer as iurtas e, claro, a “hot sauna”, ou como é conhecido, o banho russo. Aqui também aprendemos uma lição de como podemos efetivamente poupar água durante o banho e também percebemos a razão e a inteligência do Sr. Baiysh em usar “hot sauna” no seu slogan. Aqui tudo é aproveitado, nada é desperdiçado, nem alimentos, nem engenhosas hipóteses para um bom slogan.

Acampamento “Yurt Camp Baiysh”

É dia 13 de Agosto e a ânsia acompanha com curiosidade o que nos espera a seguir. Faz-nos até querer tomar o pequeno-almoço mais depressa. A razão? A notícia da morte da cabra! 

É depois da refeição – composta por borsok, o pequeno pão frito e delicioso, que deixa qualquer um viciado, manteiga de égua, chá verde, fruta, ovos fritos com salame, beringela frita com maionese (98% de certezas ser feita também de leite de égua) de alho com tomate – que vamos para a rua assistir ao Buzkashi e, rezar que o pequeno-almoço fique onde deve ficar, no estômago. 

Dirigimo-nos para o exterior onde encontramos uma bancada, improvisada, para os visitantes se sentarem e assistirem a este famoso desporto, o Buzkashi. 

Quem está à nossa espera é a esposa do Sr. Baiysh. É ela quem vai arbitrar esta espécie de pólo equestre, mas antes disso há que assitir a uma demonstração dos dotes dos seus cavaleiros.  

Dois rapazes que não devem ter mais de 14 anos montam os seus cavalos e dirigem-se para o lado esquerdo do campo. Cada um corre, lado a lado, o mais rápido que consegue. O som dos dois cavalos a correr é ensurdecedor. Mas não tão ensurdecedor quanto os gritos da Sra. Baiysh. Um dos cavaleiros, aproximando-se do objetivo, inclina-se do cavalo e apanha do chão as notas quirguizes que a juíza da partida lá tinha colocado. Todos aplaudem. E eles repetem a partida.  

Depois de os dois cavaleiros acumularem uma boa quantia de soms (moeda quirguiz), a Sra. Baiysh grita mais uma vez. Dirige-se para a plateia. Não fala inglês. Gesticula e grita. Aponta para o lado esquerdo, depois para o lado direito. Para um pneu no chão. Desenha uma linha imaginária com a mão, apontando para o chão. Todos a entendem. E de alguma forma todos sabem: Objetivo do jogo é pontos no pneu e não ultrapassar aquela linha imaginária! 12 cavaleiros aparecem. 6 de vermelho, 6 de azul. O jogo está prestes a começar.

A Sra. Baiysh vai para o meio dos jogadores com algo que faz metade do tamanho dela. É a cabra! Uma carcaça de uma cabra decapitada. E é aqui que nos apercebemos como ela é pequena, perto dos jovens montados em cavalos enormes. Não demonstra medo. Medo sentimos nós, de nos aproximarmos daquela linha imaginária. Medo dos cavalos e principalmente medo da Sra. Baiysh. 

Ela grita uma palavra que para português se deverá traduzir em “Começa” e as equipas de cada lado dirigem-se para apanhar a cabra.  

A adrenalina corre pelas nossas veias e os nossos ouvidos só ouvem os gritos abafados da corrida dos cavalos. Se o barulho de dois cavalos a correr a alta velocidade era ensurdecer, imaginem 10 cavalos. Os espectadores quirguizes gritam de emoção quando a equipa azul marca um ponto. Apercebemo-nos nesta altura que, este jogo, não era somente uma demonstração, mas sim um jogo a sério! Duas equipas de jovens, a jogar provavelmente para uma liga amadora deste desporto secular. 

Nós aplaudimos e gritamos de entusiasmo. Alguns assustam-se quando está um cavaleiro prestes a cair com a cabra na mão, mas o miúdo é rijo e aguenta-se. Dá uns incentivos na traseira do cavalo, ganha mais velocidade e marca ponto. 

Vinte minutos mais tarde o jogo termina e a equipa vermelha sai vencedora. Todas as pessoas aplaudem aquilo que antes comentavam entre si ser uma coisa bárbara e ultrapassada. A cabra é recolhida e será usada para juntar à sopa que servirão ao jantar.  

Com esta estadia no Quirguistão, percebemos que aqui não há desperdício, não há crueldade para com os animais, nem intolerância para com outras culturas, há apenas uma cultura diferente da nossa.  

E viajar é isto mesmo. É abrir a nossa mente para coisas novas, amizades, conhecimentos, e admitir que um jogo de pólo equestre com uma carcaça duma cabra é capaz de nos divertir tanto ou mais que um desporto que vemos todos os dias. E a cabra, que nos encheu de curiosidade ao pequeno-almoço, afinal acabou por ser notícia durante o dia todo.

Tenha aventuras como esta!
Conheça a nossa expedição aqui!